Expande-se
descontroladamente
Pelo menos, é o que
as supernovas mais longínquas têm andado a revelar ao astrofísico Robert
Kirshner.
Robert Kirshner é
capaz de fazer tudo para que os seus alunos se apaixonem pela astronomia, desde
“transformar-se” num pulsar, sentando-se numa cadeira giratória com um capacete
de mineiro na cabeça, a provocar um inesperado Big Bang com a ajuda de um
balão. Mais de uma década depois da minha última aula com o professor, no ano
2000, encontro-me novamente com ele, sempre sorridente, no acolhedor gabinete
do Centro Smithsonian de Astrofísica de Harvard, rodeado pelas florestas de
Cambridge, no estado do Massachusetts.
Muitas coisas
aconteceram na astronomia, em parte graças a Kirshner e aos seus alunos, os
quais contribuíram para a descoberta de que a expansão do universo está a
acelerar de modo tão extravagante que desafia todas as leis conhecidas. De
facto, um dos seus estudantes, Adam Riess, foi um dos três galardoados com o
Prémio Nobel da Física em 2011, pela sua participação na deteção do fenómeno
que foi o tema da nossa conversa.
“Há 5000 milhões de
anos, a expansão do universo tinha abrandado, mas, agora, parece desenfreada.
Antes, era a gravidade que ganhava; hoje, é a pressão para o exterior que
vence, essa estranha propriedade do vácuo que não sabemos o que é e que
designamos por ‘energia escura’. É como se fosse um tecido a inchar sem
obedecer às leis da conservação da energia. Podemos chamar-lhe ‘constante
cosmológica de Einstein’, ‘partícula fantasma’, ‘onda’ ou ‘campo’; pode ser
muitas coisas”, afirma Kirshner. “O facto é que quanto mais essa força
misteriosa cresce, mais depressa avança e mais separa entre si a matéria
visível. A atração gravitacional entre galáxias nem sequer lhe provoca
cócegas.”
É curioso que
Kirshner, tal como muitos outros cientistas na década de 1990, estudou a forma
de medir a desaceleração do cosmos: nessa altura, considerava-se que a matéria
tendia a juntar-se e a travar a sua expansão, como indicavam os resultados da
maioria das investigações. O contraditório foi exposto ao astrofísico pelas
supernovas. Kirshner é, talvez, o maior especialista nas míticas estrelas
explosivas. O seu brilho é tão intenso e, simultaneamente, tão uniformizado que
podem ser utilizadas como unidades de medida cósmicas quando se pretende
conhecer as distâncias entre dois objetos estelares de proporções gigantescas.
Assim, propôs-se quantificar, tendo as supernovas como base, a alegada
desaceleração, mas a deceção foi enorme.
Mudança de rumo
“Para nossa
supresa, os dados mostraram uma realidade muito diferente. A supernova mais
longínqua era mais opaca do que esperávamos, o que correspondia a um universo
em expansão, pois indicava que a estrela se estava a afastar a toda a
velocidade”, explica o especialista, acrescentando: “Quando Adam Riess mo
comunicou, não liguei muito; pensei que haveria algum erro de cálculo, mas não
foi isso que aconteceu, apesar da resistência de outro grupo de astrofísicos,
que continuava a acreditar na desaceleração. E, para cúmulo, estávamos a
desafiar a constante cosmológica de Einstein. ‘Pretendes ser mais sábio do que
ele?’, chegou a perguntar-me a minha mãe. Não tivemos outro remédio senão
continuar a recolher dados, fechar os olhos e anunciar os resultados. A alternativa
era prosseguir o trabalho para obter mais informação, mas não queríamos esperar
anos. E se estivéssemos enganados?”
Não estavam. A
catastrofísica das supernovas não só demonstrou a extravagância do universo em
expansão como permitiu observar as alterações no cosmos à escala temporal
humana (dias e meses). Durante o seu canto do cisne, essas bombas
termonucleares ofuscam brevemente com o seu brilho as próprias galáxias e
provocam os acontecimentos mais espetaculares da ciência: semeiam o cosmos de elementos
pesados da tabela periódica e regulam a formação galáctica e a sua evolução. “É
preciso entender as estrelas que se estuda”, afirma Kirshner, piscando o olho.
A verdade é que há
várias classes de supernovas. As de tipo II são as estrelas de maior massa, as
que vivem menos tempo e explodem com maior aparato. “São como um adolescente
com um cartão de crédito: gasta tudo sem dispor de uma fonte de rendimentos
para poder equilibrar as contas. A sua massa é dez vezes superior à do Sol e
dispõem também de dez vezes mais combustível para queimar, mas consomem-no dez
mil vezes mais depressa, para brilharem com uma intensidade multiplicada por
dez mil, pelo que esgotam a própria energia nuclear mil vezes mais depressa”,
esclarece Kirshner. “Depois, o núcleo da estrela, com cerca de duas vezes a
massa solar mas um raio inferior a metade do terrestre, perde o suporte da
pressão e despenha-se bruscamente para dentro. A gravidade é tão intensa no
pequeno e denso núcleo que a implosão dura apenas um segundo.”
Em contrapartida,
as supernovas de tipo Ia (as preferidas de Kirshner) “também consomem o seu
combustível e encolhem, mas transformam-se em objetos muito densos que
designamos por ‘anãs brancas’ ou ‘estrelas de neutrões’ ”. Todavia, alguns
desses astros capturam outra estrela que passa por perto, o que dá origem a um
sistema binário. A consequente acumulação de matéria causa distúrbios na massa
e provoca uma forte labareda que arrasa a pequena estrela, transformando-a numa
bomba termonuclear que irá arder, durante algumas semanas, com o brilho de 4000
milhões de sóis e que atinge a máxima intensidade passados cerca de 20 dias.